Artigos, Destaques, Notícias › 11/06/2021

Os jesuítas e a devoção ao Coração de Jesus

Pe. Frédéric Fornos, SJ

Diretor Internacional da Rede Mundial de Oração do Papa

Ao longo da sua história, os jesuítas aprofundaram e deram a conhecer a devoção ao Coração de Jesus. Isso não é de surpreender, se se conhecem os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, pois estes promovem um conhecimento interno de Cristo que culmina na “contemplação para alcançar o amor” e “em tudo amar e servir”. Poucos sabem que a Companhia de Jesus escolheu o Apostolado da Oração – agora Rede Mundial de Oração do Papa – como meio privilegiado para promover a devoção ao Coração de Cristo.

Em 1883, os padres da XXIII Congregação Geral aprovaram o decreto 46: “Declaramos que a Companhia de Jesus aceita e recebe com um espírito transbordante de alegria e gratidão o suave encargo que lhe foi confiado por Nosso Senhor Jesus Cristo para praticar, promover e propagar a devoção ao seu diviníssimo Coração”.

A 2 de julho de 1688, na festa da Visitação, o Senhor manifestou-se uma última vez a Margarida Maria. Em sua visão, estavam a Santíssima Virgem, São Francisco de Sales e o Padre Cláudio La Colombière, SJ. Voltando-se para o bom padre, disse-lhe a mãe da bondade: “Quanto a ti, fiel servo do meu Divino Filho, tens uma grande parte neste precioso tesouro, que, embora tenha sido reservado às Filhas da Visitação conhecê-lo e partilhá-lo com outros, está reservado aos Padres da vossa Companhia fazer ver e dar a conhecer a utilidade e o valor do mesmo, de modo a que muito proveito possa ser tirado ao recebê-lo com o respeito e o reconhecimento devidos a tão grande benefício”.

Por parte do Apostolado da Oração, o Pe. Henri Ramière, SJ, falecido em Toulouse, na França, a 3 de janeiro de 1884, pode ser considerado como o segundo fundador, depois do Pe. Francisco Xavier Gautrelet, SJ. A obra do Apostolado da Oração contava então com 15 edições do Mensageiro do Coração de Jesus e mais de 35.000 centros organizados em todo o mundo. Isso seria decisivo para o futuro, já que para o Pe. Ramière: “O Apostolado da Oração é a fusão dos nossos interesses com os interesses do Coração de Jesus”.

Em dezembro de 1871, o Pe. Beckx, SJ, Superior-Geral dos Jesuítas, consagrou a Companhia ao Sagrado Coração de Jesus. Em 1896, o Pe. Luís Martín, SJ, Superior-Geral da Companhia de Jesus (1892-1906), aceita ser o Diretor-Geral do Apostolado da Oração, como foi solicitado pela Sagrada Congregação dos Bispos. Os estatutos de 1896 especificam esse ponto pela primeira vez. Seu sucessor, Pe. Francisco Wernz, SJ (1904-1914), também se envolveu muito nessa tarefa que a Santa Sé confiou ao Geral da Companhia.

Isso poderia explicar por que é que, em 1915, a XXVI Congregação Geral, no seu decreto 21, vinculou essa missão específica da Companhia de Jesus, acolhida em 1883, com o desenvolvimento do Apostolado da Oração:

“Os padres da XXVI Congregação Geral, recordando a declaração solene da XXII Congregação, na qual se professou devotamente que ‘a Companhia de Jesus aceita e recebe com um espírito transbordante de alegria e gratidão o suave encargo que lhe foi confiado por Nosso Senhor Jesus Cristo para praticar, promover e propagar a devoção ao seu diviníssimo Coração’, e sabendo por experiência que o Apostolado da Oração é um meio excelente para fazer crescer esta devoção, ratificaram uma vez mais, no limiar do centenário da restauração da Companhia, a solicitude da Companhia por tudo o que diz respeito ao Sagrado Coração de Jesus, e expressaram o desejo fervoroso de que todos os seus membros, em particular os Superiores, considerem que lhes é pessoal e fortemente recomendado desenvolver e difundir esta piedosa Associação do Sagrado Coração por todos os meios à sua disposição”.

A 9 de junho de 1972, o Pe. Pedro Arrupe, SJ, Superior-Geral da Companhia de Jesus (1907-1991), cem anos depois do Pe. Beckx, consagrou a Companhia ao Coração de Cristo. Numa carta enviada em abril do mesmo ano a todos os jesuítas, diz:

“Superando os obstáculos de ordem psicológica que as formas externas deste culto podem apresentar, o jesuíta deve revitalizá-lo com a espiritualidade cristocêntrica sólida e viril dos Exercícios que, com o seu cristocentrismo integral e com o seu culminar na doação total, nos preparam para ‘sentir’ o amor do Coração de Cristo como o ponto de unificação de todo o Evangelho. A vida do jesuíta está perfeitamente unificada na resposta ao chamado do Rei Eterno e naquele ‘Tomai, Senhor, e recebei’ da Contemplação para alcançar o amor, que é o corolário dos Exercícios. Viver essa resposta e esse oferecimento será, para cada um de nós e para toda a Companhia, a verdadeira realização do espírito de consagração ao Coração de Cristo, à maneira inaciana.

É desta vivência intensa do espírito dos Exercícios que surge, como uma urgência apostólica incontornável, o compromisso de viver e oferecer a própria oração e trabalho em união com o Coração de Cristo, e assim realizar uma existência intimamente centrada em Cristo e na Igreja. Deste modo, o Apostolado da Oração animou e continua a animar a perspectiva sacerdotal de tantas vidas cristãs, fazendo-as culminar na oferta eucarística de Cristo e na consagração do mundo a Deus (LG 34). Este meio do Apostolado da Oração, que tanto ajudou o Povo de Deus, pode hoje, devidamente renovado e adaptado, prestar um novo e maior serviço, quanto mais se sente a necessidade de criar grupos apostólicos de oração e de sério compromisso espiritual”.

O Papa João Paulo II, em 1986, confirmou a Companhia de Jesus na missão que recebeu do próprio Cristo, de difundir a devoção ao seu Divino Coração, e também através do meio privilegiado que escolheu para levar a cabo essa missão, nomeadamente, o Apostolado da Oração. “Por estas razões, desejo sinceramente que continuem, através de uma ação perseverante, a difundir o verdadeiro culto do Coração de Cristo, e que estejam sempre dispostos a dar uma ajuda eficaz aos meus irmãos no episcopado na promoção deste culto por todo lado, tendo o cuidado de encontrar os meios mais adaptados, apresentá-los e praticá-los, para que o homem de hoje, com a sua própria mentalidade e sensibilidade, descubra a verdadeira resposta às suas perguntas e às suas expectativas. Tal como no ano passado, por ocasião do Congresso do Apostolado da Oração, quando vos confiei em particular esta obra, estreitamente ligada à devoção ao Sagrado Coração, assim também hoje, no decurso da minha peregrinação a Paray-le-Monial, peço-vos que façais todos os esforços possíveis para realizar cada vez melhor a missão que o próprio Cristo vos confiou: a difusão do culto ao seu Divino Coração”.

Os Superiores-Gerais da Companhia de Jesus responderam a esse chamado. Em primeiro lugar, o Pe. Peter Hans Kolvenbach, SJ (1983-2008), como o demonstra em um livro que reúne alguns dos seus discursos e homilias sobre o Coração de Cristo: Uma missão agradável (1988). Escreve que a Companhia de Jesus, desde 1915, quis unir solenemente a promoção da devoção ao Sagrado Coração ao Apostolado da Oração (p. 37).

O Pe. Adolfo Nicolás, SJ, Superior-Geral de 2008 a 2016, promoveu a recriação do Apostolado da Oração e assim atualizou o seu fundamento espiritual, a devoção ao Coração de Cristo. Foi o último Diretor-Geral do Apostolado da Oração, sendo o primeiro o Pe. Luís Martín, em 1896. Desde 2016, na sequência do processo de recriação do Apostolado da Oração como Rede Mundial de Oração do Papa, e sua constituição como obra pontifícia, o Santo Padre, com consulta prévia ao Superior-Geral da Companhia de Jesus, nomeia um jesuíta como diretor internacional.

Em 2018, o Papa Francisco instituiu a Rede Mundial de Oração do Papa (Apostolado da Oração) como Obra Pontifícia para sublinhar ocaráter universal dessa missão. Em 2020, erigiu-o como pessoa jurídica canônica. Como Fundação Vaticana, tem a sua sede no Estado da Cidade do Vaticano e está confiada à Companhia de Jesus. O Pe. Arturo Sosa, SJ, atual Superior-Geral, contribuiu para a redação dos Estatutos, e participou ativamente no trabalho de clarificação jurídica. Também apoia, tal como os seus antecessores, esta obra que, passados dez anos de sua recriação, propõe, de acordo com o desejo de S. João Paulo II, a devoção ao Coração de Cristo de um modo renovado.

A Rede Mundial de Oração do Papa, recriação do Apostolado da Oração, entra hoje na dinâmica do Coração de Jesus através do seu itinerário espiritual chamado “O Caminho do Coração”. Esse itinerário é uma atualização da devoção ao Coração de Cristo para os dias de hoje. É uma apresentação coerente do tesouro espiritual do Apostolado da Oração, à luz dos Exercícios Espirituais. Conduz o nosso coração o mais próximo possível do Coração de Cristo, tornando-nos disponíveis para a sua missão, uma missão de compaixão pelo mundo.

Essa compaixão, como diz o Pe. Peter Hans Kolvenbach, “será impossível sem ‘obter o amor’ ou ‘chegar ao amor’ do Coração do Salvador”.

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