A IGREJA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Em abril de 2021, a intenção universal do Papa Francisco são os direitos fundamentais. “Rezemos por aqueles que arriscam a vida lutando pelos direitos fundamentais nas ditaduras, nos regimes autoritários e também nas democracias em crise”, diz ele.
Desde o Papa João XXIII, na década de 1960, que os direitos humanos têm adquirido uma importância central para o ensinamento e prática social católica. Ainda assim, a abordagem da Igreja aos direitos humanos é habitualmente diferente da do mundo secular.
Em primeiro lugar, a Igreja enfatiza os direitos cotidianos. Quando, em 1963, São João XXIII enumerou os direitos fundamentais na sua encíclica Pacem in terris, começa com o que hoje se consideram os direitos econômicos. “O ser humano tem direito à existência”, diz ele, “à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de vida: tais são especialmente o alimento, o vestuário, a moradia, o repouso, a assistência sanitária, os serviços sociais indispensáveis” (Pacem in terris, 11). Hoje, o Papa Francisco tem seguido pelo mesmo caminho, enfatizando de modo particular os direitos ao trabalho, à moradia, à terra e à segurança alimentar – em espanhol: “tierra, techo y trabajo”. Quão importantes foram eles durante a pandemia da COVID19!
A doutrina social católica enraíza os direitos humanos – econômicos e outros – na dignidade da pessoa. Todos os direitos estão interligados e todos contribuem para um desenvolvimento humano integral – o desenvolvimento integral de cada pessoa em todas as dimensões da vida, do início ao fim, incluindo as gerações futuras. Aquilo que liga estes princípios é a liberdade (!), dado que as pessoas devem ser livres para se tornarem agentes ativos de seu próprio desenvolvimento e do cuidado da nossa casa comum.
O segundo aspecto diferenciador católico é que os direitos fundamentais não são apenas individuais. Eles estão sempre enraizados no bem comum, não na satisfação dos desejos individuais. Consequentemente, a doutrina social católica não tem nada a ver com ideologias libertárias. Em Fratelli tutti, o Papa Francisco observa “há hoje a tendência para uma reivindicação crescente de direitos individuais – sinto-me tentado a dizer individualistas –, que esconde uma concepção de pessoa humana separada de todo o contexto social e antropológico, quase como uma «mônada» cada vez mais insensível (…). Na realidade, se o direito de cada um não está harmoniosamente ordenado para o bem maior, acaba por conceber-se sem limitações e, por conseguinte, tornar-se fonte de conflito e violência” (Fratelli tutti, 111). Na verdade, continua o Papa: “O individualismo não nos torna mais livres, mais iguais, mais irmãos. A mera soma dos interesses individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para toda a humanidade. Nem pode sequer preservar-nos de tantos males, que se tornam cada vez mais globais” (Fratelli tutti, 105).
Em terceiro lugar, a abordagem católica vincula os direitos fundamentais aos deveres fundamentais. São João XXIII considerava-os as duas faces da mesma moeda: “É que todo direito fundamental do homem encontra sua força e autoridade na lei natural, a qual, ao mesmo tempo que o confere, impõe também algum dever correspondente. Por conseguinte, os que reivindicam os próprios direitos, mas se esquecem por completo de seus deveres ou lhes dão menor atenção, assemelham-se a quem constrói um edifício com uma das mãos e, com a outra, o destrói” (Pacem in terris, 30). Embora essa reciprocidade de direitos e deveres seja encontrada entre as pessoas, ela também envolve o Estado no seu papel positivo de promover o bem comum e realizar os direitos humanos. O Estado moderno, em nome de todos nós, deve garantir que cada membro da sociedade tenha “também o direito de ser amparado em caso de doença, de invalidez, de viuvez, de velhice, de desemprego forçado, e em qualquer outro caso de privação dos meios de sustento por circunstâncias independentes de sua vontade” (Pacem in terris, 11).
Graças a Deus, existem homens e mulheres corajosos, incluindo jovens e idosos, que lutam ainda hoje para proteger e promover os direitos humanos fundamentais onde e como estiverem ameaçados. Rezemos para que Deus abençoe, proteja e fortaleça os defensores dos direitos humanos entre nós!
Card. Michael Czerny S.J.
Roma, Dezembro de 2020
Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral