Artigos, Destaques, Notícias › 13/04/2018

“Alegrai-vos e Exultai”

A terceira exortação apostólica do Papa, de 19 de março de 2018, marca o quinto aniversário da missa de posse de Francisco no dia de São José, em 19 de março de 2013, e, sob muitos aspectos, pode ser considerada uma revisão dos principais temas e preocupações de seu magistério papal.
Embora outros textos e homilias do Papa manifestem a marca de sua tradição espiritual inaciana, talvez nenhum o faça de forma tão contundente.
Há muito que refletir sobre o documento, que é digno de várias leituras. Uma abordagem inicial poderia considerá-lo do ponto de vista dos Exercícios Espirituais das Duas Bandeiras de Santo Inácio. A partir disso, um ponto de partida sugestivo é o quinto e último dos cinco capítulos: “Combate espiritual, vigilância, discernimento”. Esta é a situação concreta em que todos nós nos encontramos.
Francisco não se esquiva do que tem de ser dito: “A vida cristã é uma luta permanente”, escreve o Papa. “Requer-se força e coragem para resistir às tentações do demônio e anunciar o Evangelho. Esta luta é magnífica, porque nos permite cantar vitória todas as vezes que o Senhor triunfa na nossa vida”. (nº 158).
Para ele, a referência da tradição ao ‘maligno’ não é nenhum mito herdado de uma era menos iluminada. Na verdade, perdemos o senso de sobrenatural que esconde a verdadeira natureza da luta que se coloca sobre nós. O Papa ainda acrescenta: “quando Jesus nos deixou a oração do Pai-Nosso, quis que a concluíssemos pedindo ao Pai que nos livrasse do Maligno. A expressão usada não se refere ao mal em abstrato; a sua tradução mais precisa é ‘o maligno’. Indica um ser pessoal que nos atormenta. Jesus ensinou-nos a pedir cada dia essa libertação para que o seu poder não nos domine”. (nº 160).
A escolha diante de nós, portanto, é sob que bandeira nos afiliamos na luta espiritual que temos de enfrentar? Obviamente, tudo está em jogo. Os cristãos, por sua vocação batismal, já fazem parte da companhia de Cristo. O objetivo de “Gaudete et Exsultate” é encorajar e guiar na jornada árdua, porém alegre, de crescimento em direção à maturidade espiritual no Senhor, ao crescimento na santidade.
Em um maravilhoso parágrafo no início do documento, Francisco esclarece a natureza crística da santidade. “No fundo, a santidade é viver em união com Ele os mistérios da sua vida; consiste em associar-se duma maneira única e pessoal à morte e ressurreição do Senhor, em morrer e ressuscitar continuamente com Ele. (…) A contemplação destes mistérios, como propunha Santo Inácio de Loyola, leva-nos a encarná-los nas nossas opções e atitudes” (nº 20).
Assim, fazer parte da bandeira de Cristo implica tanto contemplar seus mistérios como incorporá-los em todas as nossas ações e atitudes. Francisco sugestivamente cita seu antecessor, Bento XVI: “a medida da santidade é dada pela estatura que Cristo alcança em nós, desde quando, com a força do Espírito Santo, modelamos toda a nossa vida sobre a Sua” (nº 21).
Os cristãos inevitavelmente enfrentam duas bandeiras, dois caminhos: o de Cristo, cuja aparente escuridão é um prelúdio para a luz eterna, e o do inimigo, cuja falsa luz só leva à escuridão e ao desespero. E não escolhemos de forma definitiva, pois é preciso renovar-se e comprometer-se diariamente. Portanto, de acordo com o Papa, há uma necessidade urgente de discernimento.
Sabemos o quão caro é o tema do discernimento para Francisco. E o quanto é indispensável para a vida espiritual. Mas acho que o desenvolvimento do assunto no último capítulo da exortação é particularmente sutil e útil.
Ele vai direto ao assunto: “Como é possível saber se algo vem do Espírito Santo ou se deriva do espírito do mundo e do espírito maligno?” (nº 166). O discernimento, portanto, não se refere principalmente à decisão a ser tomada. Envolve o processo mais difícil e complicado de discernir que espírito nos move. Assim, o discernimento exige muito mais do que inteligência inata ou mero senso comum. O verdadeiro discernimento é uma graça, “um dom que é preciso pedir” (nº 166).
Todos podemos nos enganar. Ninguém está imune. Portanto, o Papa exorta: “peço a todos os cristãos que não deixem de fazer cada dia, em diálogo com o Senhor que nos ama, um sincero exame de consciência” (nº 169).
Ao longo de “Gaudete et Exsultate”, Francisco, como bom guia espiritual, esclarece tanto a recompensa a que os cristãos são chamados e as armadilhas que enfrentam na cultura individualista e consumista atual. Até mesmo o “discernimento” pode ser cooptado por uma cultura devoradora, uma “cultura do zapping constante”, como diz a frase reveladora do Papa. Portanto, segue seu lembrete pontual:
“[No discernimento] não está em jogo apenas um bem-estar temporal, nem a satisfação de realizar algo de útil, nem mesmo o desejo de ter a consciência tranquila. Está em jogo o sentido da minha vida diante do Pai que me conhece e ama, aquele sentido verdadeiro para o qual posso orientar a minha existência e que ninguém conhece melhor do que Ele. Em suma, o discernimento leva à própria fonte da vida que não morre, isto é, conhecer o Pai, o único Deus verdadeiro, e a quem Ele enviou, Jesus Cristo (cf. Jo 17, 3)” (nº 170).
Nos alegramos e exultamos porque nos foi dado de beber dessa fonte de vida e ansiamos por beber ainda mais plenamente, para avançar no caminho de Cristo, o Santo que nos chama à santidade.

Por Pe. Robert P. Imbelli

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